quarta-feira, 21 de setembro de 2016

4º dia:
algo na minha memória ram me diz que flanar vem do francês. e agora olhando no dicionário confirmei: não existe, na parte português-francês, o verbo flanar; mas olhando na parte francês-português lá está o flâner com a tradução de perambular.
pois sempre tive caso com esse tipo de acaso - com o perdão pela rima óbvia. amo perambular. melhor dizendo, amo flanar, porque perambular parece ter embutida uma pontinha de desgosto no estar perdido que o flanar não tem. flana-se porque se quer, perde-se por vontade. aliás, chego a fazer uma forcinha às vezes pra conseguir flanar,  como não anotar endereço direito de lugares, não pegar o telefone, deixar a bateria do celular acabar, não atentar pro horário que abrem/fecham as coisas... essas reminiscências da adolescência das quais já quis muito me livrar e hoje, depois de uma certa maneirada, até cultivo. de séria e cheia de horários e compromissos já basta a vida, bora flanar.
pois flanando encontrei outro dia aqui com minha mãe um lugar famoso de bordeaux que eu tinha me esquecido de procurar. a rua notre dame, conhecida pelos muitos antiquários. mais que isso, a rua é linda, o que normalmente significa aqui ser salpicada de lugares fofos e atraentes para se comer.
no dia comemos num italiano que não postei aqui porque não era a situação do "projeto" de comer sozinha com o patrick enquanto as crianças estão na escola (pra quem acha que não tenho meu lado obsessivo...).
andando - ops, flanando - mais um pouco depois do almoço com minha mãe, dou de cara com essa praça aqui:
vai dizer, não é incrível? assim, do nada, uma praça, que não consta em nenhum guia de turismo, com cara de doméstica e rotineira, com um "hall cultural" no meio e muitas mesinhas dos restaurantes da praça no contorno do hall. as pessoas almoçando, e claro que regado a vinho, no que parecia ser uma pausa pro almoço. olha que sinto muita muita muita falta do brasil e tenho sempre certeza que meu lugarzinho no mundo é aí, mas confesso que essas visões me balançam. acho genial demais viver assim enquanto tanta gente na hora do almoço brasileira (nós, os sortudos que têm almoço) estamos entalados em engarrafamentos ou praças de alimentação de shopping. 
aqui não tem engarrafamento porque tem transporte público bom e grande parte da população vai de bicicleta pro trabalho. não tem praça de shopping porque o mau gosto americano passou longe e existe segurança pública, então a rua é de todo mundo. existem pausas grandes pro almoço porque se trabalha menos - a jornada de trabalho oficial é de 35 horas por semana. a pausa do almoço não precisa ser usada para pegar criança na escola correndo e esbaforidamente (e de carro) porque a escola - pública também - vai até as 16h e oferece um tremendo almoço pra todas as crianças, até mesmo pra três brasileiros que apareceram do nada e que para usufruir de tudo isso só precisaram mostrar um contrato de locação de imóvel perto da escola e a caderneta de vacinação de cada um. 
tudo pra dizer que quis voltar na tal praça com o patrick no 4º dia da nossa história. escolhemos uma mesinha debaixo dos guarda-sóis vermelhos. uma menina local, muito de bem com a vida, veio nos atender. pedimos o salmão que, jesus, era pra comer rezando, como diz minha amiga renata baiana. o bichinho tinha uma crosta de algo que não entendi o nome, parecia uma farofa mais durinha, algo assim, que era realmente uma dádiva. pra variar, comemos super bem num restaurante de preço médio e sem frescura nenhuma!
abaixo umas fotinhas, inclusive uma do patrick que disse não aguentar mais ser fotografo comendo pra esse blog. 




segunda-feira, 19 de setembro de 2016

3º dia:
a gente já tinha passado umas duas vezes na frente dessa preciosidade e eu a paquerado fortemente.
o que dizer de um lugar que se apresenta na porta como um "restaurante de queijos"?
veja bem, não é loja de queijos, venda de queijos, exposição de queijos, não. é um restaurante de queijos. mais fisgada impossível!
saímos da aula nesse dia já perto das 13h e o plano era ir direto pra casa, onde minha mãe, em visita à gente, ficava com a clarice, nossa caçula, que, estreando sua primeira virose francesa, vomitava e por isso não tinha ido à escola. pensei a tempo, no entanto, que, se conhecia dona consuelo, e eu conheço, a uma hora daquela já tinha comido e dado de comer à nossa pequena há muito tempo. que pena! teríamos então que comer fora nessa cidade onde se come tão mal... (;
no restaurant de fromages a porta não abre. tem que tocar uma campainha para alguém vir abrir. não é requinte ou luxo, mas puro medo de atentado, como veio a me dizer o dono depois. ))));
aliás, uma vez mais, é o próprio dono que toca o negócio todo - talvez o melhor dos ingredientes da comida, pois eis um sujeito super simpático, vindo a desarmar a nossa (minha) timidez com o meu françês neandertal já no primeiro segundo. assim que me ouviu cacofonando "table... pour... deux... s´il vous plaît...", já mandou um "de onde são?" e, ao ouvir "brasil", arriscou um "bom dia" ou algo assim. se era o que ele queria, conseguiu, pois o ombro caiu imediatamente e eu já me senti em casa.
havia 3 opções: podíamos descer para a "cave" de queijo e nos servir à vontade dos queijos (aqueles queijões acompanhados de faquinhas prontas pra tirar as lascas) e de alguma garrafa de vinho exposta pelo caminho; pedir um prato de degustação com mais ou menos 10 queijos pequenos pra cada um, pelo que a gente entendeu; ou 3 sequências de 3 queijos que vinham já combinados (sou muito iniciante pra já jogar um "harmonizados") com 3 taças de vinho. claro que quando a gente ouviu "vin" e o adjetivo 3 do lado, não precisa nem dizer qual foi nossa escolha.
rapaz! que coisa. veio o primeiro pratinho de queijo com uma taça de vinho branco. ele explicou cada um dos queijos e o vinho, suas origens, curiosidades, e tudo mais que se lembrou, sem afetação nenhuma. os pedaços não eram grandes, mas vai comer tanto queijo assim... estufou na hora! e tinha muito pão junto e até uma saladinha, tudo devidamente traçado com muita vontade pela gente.
segundo prato, mais 3 queijos e agora vinho tinto.
pra terminar, mais uma fileira de 3 pedaços e vinho branco de sobremesa.
dentre esses 9 pedaços, o que não vou esquecer nunca mais é que estavam presentes o melhor queijo que já comi na minha vida e também o pior.
começando pelo melhor: não consegui gravar o nome, nem procedência, depois de tanto nome e lugar sendo dito. mas o ditocujo era muito branco e cremoso por dentro, quase um requeijão, e tinha uma casca de pimenta simplesmente incrível. loucamente delicioso. tive que pegar mais do patrick porque vai que a gente nunca mais se veja na vida, meu dileto pedacinho de paraíso em formato fromage.
o pior: sempre achei meio exagerado tanta implicância com queijo fedorento, bolorento etc. só que, claro, até agora meu cardápio de queijos desse tipo não passava de um brie ou outro, um roquefort talvez, um camembert, tudo com o selo "pão de açúcar". pois não preciso dizer muito mais a não ser o comentário do patrick assim que o provou: "meu deus, não desejo esse queijo nem pro meu pior inimigo!". a última foto é exatamente desse triste momento da vida do patrick e também fala por si. vide abaixo.
o único problema é que tudo isso era servido em ritmo de tartaruga, para casais que iam chegando e nenhum com cara de ter criança doente em casa. eu tava meio agoniada, pois 3 da tarde ainda estávamos terminando o banquete.
queijos pra dentro (a não ser o feito com chulé e o odor de outras partes menos fofas do corpo não lavadas há muito tempo, claro), um baguete de pão inteiro só na minha barriga pra conseguir convencer meu inconsciente que aquilo era o meu almoço, e uma conta justa de 48 euros paga, saímos pra encontrar, após uma pedalada a jato turbinada pela culpa, uma menininha já zero bala! parfait!
fe



quarta-feira, 7 de setembro de 2016

2º dia:
tínhamos um rendez-vous (ah, molequeeee, o francês tá saindo!) com nossa futura professora de francês, a anna, às 11h. 
o curso fica a uns 20 minutos de bicicleta, caminho meio tenso de ruas movimentadas, de modo que chegamos lá com a fome já querendo aparecer, o que só piorou na saída ao meio-dia.
pra salgar mais um pouquinho o aperto e ficar melhor ainda comer, perto da porta do curso eu tinha visto uma placa "palais gaulle" e fomos lá ver. ulalá: ruínas de um coliseu romano (os mais cultos aí me digam se é pleonasmo) que já existiu ali. abaixo foto. 
na rua do nosso curso já tínhamos visto vários cantinhos pra comer do jeito que a gente gosta. patrick rapidinho encontrou essa joia: au chapeau rouge. 
bingo de novo! 
lugar pequenininho, com mais uma gorducha francesa agitada a receber quem chega. demos sorte de ainda ter mesa; logo depois, quem chegava não sentava mais. 
bufê de entrada com saladinhas fantásticas. de prato principal, chutei algo com carrotes, sentindo falta de um legume na vida. acertei! coisa mais gostosa a cenoura com um creme e carne de porco (só comi um dos 3 pedaços grandes que vinham no prato por ser um ser que passa bem sem carne). 
detalhe desse lugar que não vou esquecer jamais: não só a garrafa de água é colocada sem ninguém pedir como uma outra de vinho tinto (dessa vez foi o tal do pinche, com 500 ml)! ah, e uma lata bonitinha com baguete cortado dentro. achei isso a coisa mais simpática do mundo. adotarei em minha casa. 
de sobremesa uma tal de torta basque com chantilly. interpretei ser algo do país basco, que não fica muito longe daqui. confesso ter conseguido encarar a torta só por causa do chantilly; o gosto dela mesmo não era essas coisas. 
na saída, 28 mangotes e um casal feliz da vida e pernas bambas tendo que encarar o caminho de bicicleta de volta!
detalhe dois: novamente era só a dona a fazer tudo no restaurante, dessa vez junto com um gordinho que imagino ser o marido na cozinha. restaurante lotado, hora do almoço comercial, todo mundo com pressa e eles mandando ver no atendimento daquela gente toda. impressiona!




1º dia:
critérios pra escolher os restaurantes/café/whatever combinados: não pode ser turístico; tem que ser de preferência pequeno e cozy (ok, deveria escrever os estrangeirismos em francês, mas ainda não rola!); se for ainda por cima barato, morreremos de emoção. ah, e por melhor que seja, não podemos repetir!
com isso em mente acertamos na mosca neste 1º dia. o eleito foi o "le furtado", no bairro em que estamos passando nossa temporada - nansouty.
nansouty é o último bairro da cidade, se você toma o rio como referência. feito de pequenas casinhas de rua, umas mais inteiras, outras menos, e de um silêncio de biblioteca. ainda não tenho tantas horas de voo na frança assim pra saber, mas diria que é um típico bairro de classe média, média baixa, francês, o que quer dizer ter gente trabalhadora por vizinhos, que rala e lava a própria privada o tempo todo, e todos os serviços públicos funcionando brilhantemente. estamos adorando.
o "le furtado" está dentro desse esquema. é um restaurante de bairro simples daqueles que na frente é bar e ao lado tem um salãozinho pra comer, com 5 ou 6 mesas pequenas, que de tão brega acaba ficando fofo.
a dona do lugar, dessas francesas gordinhas e agitadas (raras, porque, pelo o que vi até agora, a regra é magra e blasé), te recebe com o avental que cozinha. faz o escanteio e vai pro gol agarrar, pois só existe ela no lugar: deve cozinhar, atender, limpar, servir, sorrir, e sabe-se lá mais o quê.


declamou o que tinha para comer sem ajuda de nada escrito num fôlego só.
pedimos o que entendemos ser o peixe (pra mim) e a carne de porco pro patrick. tudo absolutamente delicioso e regado ao vinho rouge da casa e àquela garrafa de água providencial que eles sempre colocam aqui como primeira coisa na mesa, tenha você pedido ou não (acho o máximo isso).
a conta? 27 euros, pros 2, com 4 taças de vinhos (lá não tinha o tal do pinche, 500 ml de vinho, ou não soubemos pedir), sobremesa, prato farto.
adoramos! aprovadíssimo!